A reta final da outra Série B e a comunhão com a torcida.

No último jogo do Palmeiras, em Londrina, o Palmeiras assegurou mais três pontos nesse campeonato infinito e está a duas rodadas de garantir a volta pelas vias matemáticas. A proximidade da volta iminente me fez traçar paralelos com a nossa primeira vez que disputamos esse campeonato – que todos concordamos que não deveria existir essa segunda vez. Nesse texto, a abrangência é sobre minha lembrança da reta final e o jogo símbolo de nossa ascensão: Palmeiras 2 x 0 Marília, no Palestra Itália.

Depois de um começo de campeonato claudicante, o Palmeiras encaixou um time base compacto e surgiram diversas revelações da base durante a fase de classificação, tendo Vagner Love como o símbolo da safra promissora. A sinergia entre time e torcida foi sendo construída jogo a jogo, mas a comunhão ficou realmente evidente na disputa dos quadrangulares, embora o Palestra também se mantivesse com casa cheia em quase todo campeonato.

Simultaneamente, a primeira divisão estava em andamento. Era o primeiro ano do infame sistema de pontos corridos e a graça do certame tinha acabado com muita antecedência, já que todos sabiam que o Cruzeiro seria o campeão com sobras. Como nenhum rival paulista ameaçava a liderança do Cruzeiro (o Santos era vice, mas não ameaçava de fato) ou disputava alguma coisa que merecesse atenção, todos os holofotes se viraram para o Palmeiras, que mesmo sem apoio midiático e disputando um torneio inferior, era o time do momento. Entre os meses de setembro e novembro, era possível ver várias pessoas vestindo a camisa do Palmeiras pelas ruas de São Paulo e do resto do Brasil. 

A reta de chegada do campeonato de 2003 foi bem diferente da disputa atual.  O regulamento era diferente e tinham os quadrangulares. Primeiro, havia dois quadrangulares nos quais os dois melhores de cada grupo se classificavam para o quadrangular final após jogos de ida e volta. Na fase derradeira era igual: jogos de ida e volta e dois subiriam para a primeira divisão. Nesse modelo, as chances de um desastre acontecer eram bem maiores, mas serviu para manter a torcida ligada e em harmonia com o time em todos os momentos. 

Os times que disputavam também eram bem mais ameaçadores do que o campeonato atual. Botafogo, Sport, Marília, Santa Cruz, Portuguesa, Náutico, Remo e outros, deram trabalho, diferente do torneio atual no qual o Palmeiras não se esforça muito para conquistar os 3 pontos. 

O primeiro quadrangular foi relativamente tranquilo, o único tropeço foi a derrota para o Sport em pleno Palestra Itália lotado. De resto, cinco vitórias que nos prepararam para os seis jogos derradeiros. Seis finais, por assim dizer.

O Botafogo, adversário mais tradicional, foi o primeiro. Empate por 1 x 1 no Caio Martins. Todos continuaram iguais para a segunda rodada, na qual o Palestra Itália pulsou no único jogo de quarta-feira que tivemos no campeonato, contra o Sport (1 x 0). Após assumirmos a dianteira da reta final, era hora de fazer a camisa pesar contra o minúsculo (mas bem composto) Marília. E fizemos, com um 2 x 0 bem apertado, em uma noite que o destaque foi São Marcos. 

Mas foi o jogo seguinte que me emocionou de verdade: um novo Palmeiras 2 x 0 Marília. De todos os jogos que fui durante a campanha (fiquei fora de apenas 3), foi nesse em especial que vi a sintonia perfeita entre time e torcida. Se no início daquele ano eu tinha dúvidas sobre como seria o apoio na arquibancada, ali todos os questionamentos foram dissipados. 

A ansiedade pré-jogo também era grande. Desde o momento que meu pai chegou com os ingressos com a cara do Adãozinho impressa, até a caminhada para o Palestra em pleno sábado à noite, eu sentia que era um dia especial, que nos lembraríamos desse dia por muito tempo. 

Antes mesmo das 21h50, não era possível ver uma lacuna disponível no Palestra. Os quase 29 mil pagantes não apenas chegaram cedo, mas fizeram uma festa memorável, com bandeiras, fumaças, bexigas e as faixas que compõem a bandeira italiana. O Palestra Itália era um verdadeiro caldeirão e a arquibancada tremia. 

Tanta palestrinidade exalada intimidou os visitantes, que entraram em campo todos borrados – afinal, era apenas o minúsculo Marília – e logo aos 2 minutos, Baiano abriu a contagem. A festa, que já estava forte, se intensificou. 

O Marília até tentou reagir, mas Lucio (o 4º melhor lateral do mundo, segundo ele próprio) acertou um chute do meio da rua sem a menor possibilidade de defesa para o goleiro visitante. O jogo acabou ali e a festa predominou até o final daquela noite. Em determinado momento, chegamos a gritar “é campeão” naquela noite (obviamente não consideramos um “título”, mas...), abraçávamos diversos desconhecidos e o clima de harmonia ditava o ritmo. Ainda estávamos a um ponto da classificação matemática, mas o verdadeiro jogo do acesso foi esse. Eu senti que tinha cumprido a minha promessa feita no momento da primeira queda, que era me manter próximo do time em todas as dificuldades. O ano de 2003 forjou muito de meu caráter enquanto torcedor, logo, meu choro ao final da partida contra o Marília foi simbólico, como se eu tivesse lavado a alma e selado minha lealdade com o Palmeiras para sempre.

Foi uma noite realmente épica e ali eu tive a certeza que estávamos de volta de uma vez por todas ao lugar do qual jamais deveríamos ter saído, a humilhação e a galhofa alheia dava lugar ao eterno respeito que o alviverde imponente transpõe. 

Os dois jogos seguintes apenas consolidaram a ascensão de modo definitivo e matérias sobre a subida heroica do Palmeiras pipocavam a todo instante na imprensa. Em menor escala, também dava para destacar algumas figuras como o Hulk da arquibancada, o hino feito na guitarra por Marcos Kleine e as milhares de faixas baseadas na música “Tô Nem Aí” da Luka (música que odiava) cujos escritos eram “tô nem ai, eu subí”.

Infelizmente, novos desastres ocorreram nesses 10 anos e voltamos para essa disputa, na qual a tolerância da torcida ficou bem menor – com toda razão, diga-se de passagem. A vontade dos jogadores também é muito menor do que em 2003, afinal, a espinha dorsal atual possuí mais técnica, mas não demonstra aquela fome de vencer que atletas bem mais limitados possuíam. A disparidade técnica entre os oponentes é mais gritante e até por isso, estamos subindo sem percalços ou medo. 

Foram duas experiências distintas, a primeira serviu para unir a torcida em prol de um objetivo único e ter a certeza que seriamos fortes para sempre e a segunda foi (está sendo) um castigo interminável. Que nunca mais disputemos esse campeonato.

Um dos espólios de guerra.

Postar um comentário