Uma carta para quatro sonhadores

Olá, Luigi Cervo, Luigi Marzo, Vincenzo Ragognetti e Ezequiel Simone. Vocês não me conhecem pessoalmente e nem poderiam, afinal, estou escrevendo essa carta em 2014, com um século de distância entre os universos que vivemos. Entretanto, nessa carta, gostaria de ultrapassar a barreira do tempo e espaço para agradecê-los, onde quer que vocês estejam, por terem um sonho e por terem colocado ele em prática. Saibam que, cem anos depois, a Societá Esportiva Palestra Itália foi além do que seus sonhos poderiam imaginar e hoje mora no coração de milhões de pessoas com o nome Sociedade Esportiva Palmeiras

Eu sei que, seja lá onde estiverem, vocês sabem da magnitude do Palmeiras, mas nunca é demais relembrar. Mais do que um clube com raízes italianas que reside na Rua Turiassu, hoje, o Palmeiras é parte pertencente da cultura Brasileira, é altamente temido no continente sul-americano e possui um alcance mundial de muito respeito. Hoje é possível encontrar uma pessoa com alma palestrina em qualquer lugar do mundo. E saibam que o sonho inicial de vocês foi além, porque ser palmeirense é muito mais do que torcer para um time de futebol: é um estado de espírito indelével que vai muito além da imaginação e que hoje toca a alma e o coração de mais de 15 milhões de pessoas. 

Desde o início, ainda com vocês, tudo foi construído com sangue, suor, lágrimas e muita luta. Muitos dos nossos prosseguiram com o sonho inicial que vocês tiveram e não deixaram ele morrer quando sofremos a perseguição por ter o nome "Palestra Itália" durante a segunda guerra mundial. Resistimos bravamente, mudamos nossa nomenclatura, morremos líderes e renascemos campeões, mais fortes do que nunca. Fortes para colocar o mundo ao nossos pés em 1951, com a conquista da Copa Rio. Imponentes suficientes para termos a eterna alcunha de academia de futebol, estilo que nos colocou na vanguarda do futebol mundial.

Onde quer que vocês estejam, creio que devam ter percebido que devido ao dinamismo do mundo, muitas mudanças aconteceram nesse século de vida que possuímos. Nações cresceram e presenciaram momentos históricos, a tecnologia evoluiu de modo assustador, a velocidade da informação se tornou cada dia mais rápida e, paralelamente à tudo isso, a nação alviverde, a pátria amada Palmeiras, foi conquistando glórias e mais glórias, a ponto de ganharmos a alcunha de "Campeão do Século XX". Muitas gerações de seres humanos nasceram e morreram nesses cem anos, mas isso não nos impediu de crescer, pelo contrário, a palestrinidade iniciada por vocês foi passada por gerações, de pai para filhos, de amigos, de simplesmente sentir o amor no coração sem nenhuma explicação lógica, comparável as grandes histórias que impactaram a humanidade e que continua até os dias atuais. 

Cada sorriso de alegria de cada um de nós palmeirenses com um gol do Palmeiras, uma lágrima de felicidade (ou mesmo de tristeza) e o momento de êxtase por um título, são um testamento para tudo o que vocês construíram. Somos cada passo nas arquibancadas empurrando o Palmeiras, cada energia positiva passada de todos os lugares do mundo, somos um pedaço do concreto do Palestra Itália, nossa casa, o Jardim Suspenso que viu diversos títulos e diversos craques desfilarem talento. 

Caros Luigi Cervo, Luigi Marzo, Vincenzo Ragognetti e Ezequiel Simone, saibam que somos eternamente agradecidos pelo dia 26 de agosto de 1914 e saibam que o sonho de vocês, que completa cem anos neste mês, apenas continua crescendo. Nunca pararemos de lutar e manteremos sempre vivo aquilo que vocês construíram nesse dia glorioso.

Obrigado por tudo, o tempo e espaço não são o suficiente para me impedir de agradecê-los. Sem o Palestra Itália e, posteriormente, o Palmeiras, o mundo seria um lugar bem cinza e bem sem graça.

Assinado, um palmeirense. 

Gigantes desde o princípio.

11/07/2012 - Uma noite inesquecível

Um poster de campeão com vários jogadores indignos de vestirem nosso manto? Sim, isso foi possível na noite de 11/07/2012.

Nervosismo e ansiedade eram os sentimentos predominantes nos dias que precederam a data de 11 de julho de 2012. Insônia e taquicardia também se fizeram presentes no dias que antecederam a noite épica. O tique do relógio parecia que batia em câmera lenta e toda a distração do mundo não era suficiente para manter a cabeça longe do que aconteceria às 21h50min daquela noite.

Depois de 14 anos, o Palmeiras estava muito próximo de ser campeão da Copa do Brasil novamente e assim ratificar a condição de maior campeão nacional. Na semana anterior ao jogo derradeiro, vencemos o Coritiba por 2 x 0 no pardieiro de Barueri e assim abrimos uma considerável vantagem para o jogo da volta no estádio Couto Pereira - que os minúsculos insistiam em chamar de "green hell" (risos). Mas sabíamos das limitações do time do Palmeiras, que chegou à final muito mais pelo coração e motivação do que pela habilidade - era o pior elenco da nossa história. Por mais que o placar fosse favorável, o jogo de ida foi muito mais difícil do que o placar sugere, não dava para dizer que eram favas contadas e teríamos mais 90 minutos de muita tensão pela frente. O clima prometia ser de guerra.

A cobiça é um pecado capital, mas acredito que 15 milhões de torcedores estavam cometendo-a com a taça da Copa do Brasil. O grito de “campeão” estava entalado na garganta há muito tempo. O sensacional Paulista de 2008 foi uma alegria isolada e subsequentemente sublimada por decepções fortíssimas como o Brasileiro de 2009 e a Copa Sul-Americana de 2010. Estávamos ávidos por uma conquista que lavasse a nossa alma e nos devolvesse o orgulho de estar no topo. O título da Copa do Brasil de 2012 precisava ser de todos os palestrinos.

Foi com a ideia de que seriam 90 minutos tensos que embarquei no metrô rumo à estação Palmeiras-Barra Funda para encontrar amigos palmeirenses e assim termos uma das noites mais felizes desde que nos conhecemos em 2006 e passamos a torcer juntos. Apesar de frequentar arquibancadas desde 1999, foi a partir do ano de 2006 que ganhei grandes amigos na arquibancada, desses que podemos dizer que é para a vida também. Nem todos estavam ali, alguns conseguiram ir para Curitiba e outros assistiram em locais distintos ao que iriamos assistir.

No caminho deu para sentir a mesma tensão que eu estava sentindo em outros palestrinos que também rumava para a região da Rua Turiassu, o único lugar apropriado para que pudéssemos acompanhar esse jogo, local que abriga o Palestra Itália, de tantas glórias, histórias e que naquele momento estava passando por uma reformulação – e ainda está. Ao mesmo tempo eu via que a cidade também estava sendo pintada de verde, mais do que o usual em nossos jogos, comum em decisões do Palmeiras, algo que não deveria ser incomum nos últimos anos.

A verdade é que não tínhamos ideia de qual bar veríamos o jogo. A ideia inicial era que veríamos o jogo no L’Osteria, um reduto palestrino na esquina da Rua Turiassu com a Caraíbas, mas mesmo chegando com muita antecedência, o local já estava abarrotado e era bem possível que veríamos o jogo em pé e esmagados – para um lugar não muito grande e fechado, podemos dizer facilmente que isso não é uma boa pedida. Rechaçamos rapidamente a ideia inicial e decidimos ir a outro local. 

Depois de rodar por quase uma hora, subimos a Rua Caraíbas e fomos para a esquina da Rua Maringá com a Rua Caraíbas, na Fábrica Pizza e Bar. Chegamos por volta das 21h e ali também já estava tomado por palmeirenses. Apesar de toda a aflição que assolava a coletividade palestrina, era um clima maravilhoso, eu me senti muito bem ali. Senti-me em casa.

O fato curioso é que conseguimos uma mesa bem localizada, em frente ao telão instalado. Aparentemente estava reservada, mas quem efetuou a reserva não apareceu e assim os lugares foram cedidos para o nosso grupo - pura coincidência, mas se as pessoas chegassem, levantaríamos tranquilamente, afinal, apenas queríamos ver o jogo juntos, não importava como. Então ficamos alojados na mesa e pedi cerveja para ver se meu sistema nervoso tivesse um mínimo de relaxamento naqueles minutos que precediam a partida. Claro, nada do que eu fosse beber ali iria aliviar a tensão.

Novamente observei o ambiente ao redor e por mais que todos ali estivessem esperançosos, não era difícil deixar de notar a tensão no semblante de cada palmeirense presente naquele local. Tínhamos razões para estarmos nervosos, afinal, o time chegou a final superando diversas adversidades e mesmo no jogo final teríamos um time esfacelado, com desfalque de alguns dos principais jogadores e mais uma vez teria que jogar muito mais com o coração do que com a técnica. 

Antes de a partida começar, entoamos o hino do Palmeiras, ritual pré-jogo corriqueiro (e sempre prazeroso) para quem frequenta a arquibancada e assim que soou o apito inicial a tensão atingiu um pico acima da média. Teríamos 90 minutos para saber se gritávamos “campeão” ou se nos decepcionaríamos outra vez. A história recente nos ensinou a mantermos os pés no chão, mas aquela noite era especial, iriamos gritar “é campeão” a todo custo. Era o nosso destino.

Já no primeiro tempo era possível ver pessoas chorando de desespero, especialmente quando o Coritiba exercia alguma pressão. O inverso também ocorria e o Palmeiras criava algumas chances de perigo, em especial com cobranças de falta do capitão Marcos Assunção. Em uma jogada especial, Betinho apareceu livre e perdeu um gol feito, algo que levou os palestrinos locais a loucura. Apesar de vários arranhões, o jogo foi para a pausa com 0 x 0 no placar. Estava em nossas mãos e ainda teríamos mais 45 minutos.

Atmosfera palestrina. Era tudo nosso, não tinha jeito.

Veio o intervalo e pedi mais cervejas para mais uma tentativa de me acalmar, meu sistema nervoso já estava em frangalhos, mas conseguimos relaxar um pouco e assim me preparar para os minutos derradeiros. Não havia muitas conversas, talvez estivéssemos falando, mas não me lembro com precisão.

E não seria sem sofrimento. Antes dos 15 minutos o Coritiba foi para o tudo ou nada e Lincoln, um dos jogadores símbolos do fracasso do Palmeiras no ano anterior, sofreu falta na intermediária. O lateral Ayrton cobra com precisão e acerta a meta de Bruno. 1 x 0 para o Coritiba.

O clima no Fábrica passou a ser de consternação total. Não dava para dizer pelos outros, mas passou um filme em minha cabeça de todos os anos que tropeçamos em times insignificantes, que perdíamos para nós mesmos. E estávamos por apenas um gol, algo perigoso demais e que poderia ter consequências desastrosas caso o Coritiba se inflamasse ainda mais e o Palmeiras aceitasse passivamente o jogo deles.

Mas não era dia do Palmeiras perder o título, aquela era o nosso dia de gritar “é campeão”.

Quis o destino que o herói daquela noite fosse alguém que criticamos de maneira feroz (e bem justa, é bom que se diga) a contratação alguns meses antes. O herói que substituiu o artilheiro do time que estava acometido com apendicite. O herói que desviou o cruzamento preciso do capitão Marcos Assunção e empatou a partida no Couto Pereira. 1 x 1 e Betinho gravou seu nome na história do Palmeiras.

O Fábrica foi a loucura. O nó na garganta que tinha durante os dias que precederam se desatou e enfim desabei no choro, assim como muitos outros palmeirenses que estavam ali. Eram diversos abraços emocionados e eu soluçava, junto com outros. Eram os demônios dos anos anteriores que finalmente estavam sendo exorcizados naquela noite.

Faltavam ainda cerca de 20 minutos para o jogo terminar, mas a vantagem havia voltado para o nosso lado. Graças a regra do gol fora de casa, o Coritiba precisaria fazer mais 3 gols para se sagrar campeão. O jogo estava acabando ali e a contagem regressiva começando. 

Meu choro durou uns 5 minutos após o gol, mas na medida em que fui me acalmando, via o relógio andar e quando me dei conta, já eram 35 minutos do segundo tempo e gritos de “campeão” começavam a ecoar pelo local. Estávamos nos sagrando bicampeões da Copa do Brasil, ocupávamos nosso lugar de direito, que é de gigante e colocávamos o Coritiba em seu devido lugar, de time médio, insignificante.

Veio o apito final e de maneira legítima gritamos:

É CAMPEÃO! É CAMPEÃO!

Minha garganta já estava cortada em meio a tantos gritos, lágrimas e soluços. Em meio a tantos percalços durante a caminhada da Copa do Brasil, fomos merecedores desse título. Não éramos os favoritos da imprensa, não tivemos apoio midiático e nem transformaram nossa paixão em algo artificial. Era tudo genuíno, verdadeiro e feito com muito amor. E veio com diversos contratempos, que só engrandeceram a nossa conquista.

A comemoração prosseguiu noite afora. Hasteamos as bandeiras que tínhamos ali e descemos a Caraíbas rumo a Turiassu gritando “é campeão”. Um orgulho resgatado e a cidade novamente estava pintada de verde.

Infelizmente, esse título não foi o suficiente para que o restante do ano fosse de alívio, as deficiências latentes do elenco, somadas com a incompetência crônica dos que comandavam o Palmeiras nos levaram para uma triste queda vertiginosa rumo à segunda divisão. Mas independente do que aconteceu ou do que acontecerá, guardarei sempre com carinho esse título de 2012.

-

Escrevi esse texto em 2013 para meu blog pessoal, um mês antes de inaugurarmos o Palestra em Campo. Como é um texto atemporal sobre a memória de uma noite inesquecível, resolvi reproduzi-lo aqui para o palestrino que lê nesse espaço. Sei que cada palestrino que vivenciou essa noite tem uma história para contar, essa é a minha.


O grande responsável por esse título tem nome: Luis Felipe Scolari. Especialmente no jogo contra o Grêmio, no Olímpico, ele foi o comandante de mata-matas que conhecemos na década de 90 e fez o Palmeiras (ainda que por algumas noites) ser temido como sempre conhecemos. Nesse momento presente ele pode estar sendo massacrado por diversos setores da mídia pelo desempenho da seleção na Copa do Mundo (algo que, sim, ele também tem culpa) e mesmo por palmeirenses que o culpam pela queda para a segunda divisão (algo que ele também tem sua parcela de culpa, mas não é o único), mas aqui separo o joio do trigo e demonstro minha gratidão por esse momento que ficou para sempre. O grito de campeão é algo que não consigo apagar, ainda mais quando antes desse título, o comandante estava lá em outras conquistas. Felipão, obrigado por esse título improvável.


Aos palestrinos que conseguiram ir à Curitiba: fizeram uma festa linda e calaram aquilo que chamavam de "green hell" (risos). Ver o estádio deles vazio com apenas os palestrinos comemorando foi sensacional, obrigado e parabéns.

A relação torcida-ídolos II

Em outubro do ano passado escrevi um texto ressaltando a importância dos ídolos no Palmeiras, mas que poderia se aplicar também aos outros clubes se não tivesse um foco específico em jogadores palestrinos. No texto em questão, a preocupação que os grandes ídolos e os jogadores decisivos estavam rareando cada vez mais, a ponto de quase desaparecerem por completo. 

No despertar da derrota acachapante do Brasil para a Alemanha na Copa do Mundo (algo que queiram ou não, afeta os clubes locais por extensão, desmoraliza até os clubes mais vencedores do país, inclusive o Palmeiras), devaneei e tentei entender um pouco mais das razões que levaram os jogadores brasileiros a fazerem uma Copa ruim e terminarem de maneira melancólica. Não é de hoje que faltam atletas com aquela fome de se consagrar, de ídolos que batam no peito, peçam a bola e resolvam. Em suma: faltam homens no futebol brasileiro.

Em meio aos devaneios, tentei achar um ponto de partida e me veio uma fala (quase um ensinamento) de Don Vito Corleone, o mafioso patriarca interpretado brilhantemente por Marlon Brando no filme "The Godfather" (1973), onde ele dizia que um homem precisa amar e respeitar a sua família acima de tudo. Não foi difícil traçar um paralelo com a relação entre jogadores e clubes (e sua torcida) e notar que hoje é difícil ver os jogadores criando laços com os clubes. Pior, a grande maioria dos jogadores não respeitam a camisa que vestem e agem como moleques em busca de interesses, muitas vezes tratando um time com história como trampolim. O que mais vemos nos dias atuais são jogadores medíocres agindo como primadonas e exigindo salários altíssimos por um futebol que eles não tem. 

Além dos jogadores fracos de espírito que desprezam os clubes, o próprio sistema do principal campeonato nacional fez questão de extinguir o surgimento de jogadores decisivos e heróis que estão acostumados com decisões. Considero o sistema de pontos corridos uma estaca no coração do futebol brasileiro, pois além de afastar a torcida e a emoção inerente as grandes decisões, deu privilégio ao futebol estéril, sem emoção alguma e que tem como mote uma "justiça" que inexiste. Para se ter ideia do poder de uma decisão de campeonato, a última final de Brasileiro que tivemos gerou jogadores que deitaram nos louros daquela decisão por quase uma década, como Elano, Robinho e Diego (ainda que o futuro provasse a mediocridade e a falta de decisão desses, muito porque eles eram moleques e não homens). 

E, claro, não houve uma transição decente de gerações. Se em 2002 era fácil identificar jogadores vencedores - a base do time que venceu o pentacampeonato era repleta de palmeirenses que venceram quase tudo nos anos 90 -, hoje você olha, olha e nada. Em 2002 o Brasil tinha justamente o que faltava nos parágrafos anteriores: jogadores acostumados com decisões, homens que respeitavam os clubes e eram identificados com suas torcidas. E a formação dessa nova geração passou por revelar jogadores covardes e fracos de espírito. Não há um meia que chame a responsabilidade e orquestre as jogadas e também não há atacantes com aquele faro de gol e aquela vontade de aniquilar o inimigo. 

Repito, faltam homens e jogadores acostumados com decisões. E a gravidade disso é enorme, basta olharmos para o nosso camisa 10 atual (Valdivia), que é o jogador que mais foge de jogos decisivos (fora o rebaixamento) e ainda assim possui uma legião de fãs que o defende com unhas e dentes - simplesmente porque não há meias com características similares no país. Por isso que nos apegávamos fortemente na torcida para a volta do Alex, último grande ídolo em atividade e que, mesmo com lesões, ainda fazia um campeonato decente, por isso superestimamos jogadores que possuem algum potencial para se tornar ídolo e nos decepcionamos (e tivemos muitos casos recentes). Tudo errado e ontem tudo isso fez sentido.

Mesmo eu (Marcus), que tinha uma postura neutra em relação a seleção brasileira (apenas assisti e ponto), me senti chocado com tal placar, porque afeta também o Palmeiras e nos faz refletir como chegamos a esse ponto. Que todos tenham a humildade de admitir que o Brasil há muito tempo não é o país do futebol (em quase todos os aspectos) e que recomeçar do zero é o melhor que se pode fazer. 

O exemplo máximo de ídolo: jogador homem, decisivo e que ama a camisa.

Bons jogos em campanhas ruins II

Ou, o dia que não achamos água no Palestra.

Uma das cenas mais comuns em arquibancada é você estar de pé, compenetrado na partida, e um vendedor de água esbarrar em você de maneira despretensiosa. Você rapidamente pensa “cazzo”, mas a pessoa passa, você pensa "beleza, está apenas fazendo seu trabalho" e continua prestando atenção no que ocorre em campo. 

Porém, a natureza nos presenteia com seletos dias de jogos em que o aquecimento global resolve castigar pra valer os torcedores. Nessas situações costumamos nos desesperar por um mísero copo de água e ignoramos até mesmo os preços inflacionados que a organização do jogo nos impõe – especialmente nos últimos anos. Por via de regra (da natureza), os meses de outubro são líderes no quesito secura de temperatura. E se soubéssemos o perrengue que passaríamos naquelas 16h de sábado, do dia 05/10/2002, certamente teríamos bebido o equivalente a um poço artesiano antes do jogo. 

Ainda sobre perrengues e securas, o jogo em questão era contra a Portuguesa no Brasileiro de 2002, já na metade final da fase de classificação. Apesar de virmos de uma vitória suada contra o Paysandu e dois empates razoáveis em clássicos – sendo que contra o Santos fomos roubados -, o clima era de total desespero. Éramos lanternas do campeonato e antes desses jogos passamos por uma vergonhosa sequência sem vitórias e com vexames homéricos mesmo dentro do Palestra. O rebaixamento era uma realidade dura que batia na porta com a força de um mastodonte e não queríamos acreditar de maneira alguma que isso fosse verdade.

E era uma situação nova. Apesar do Palmeiras ter claudicado em 2001, ainda vimos o time brigar pelo título da Libertadores. Em 2002, 3 anos depois do Palmeiras ter vencido a Libertadores, estávamos em um inferno que não imaginávamos. O baque foi muito maior do que em 2012.

Mas nesse dia estávamos confiantes de que ainda esboçaríamos uma reação e esse jogo acendeu uma centelha de confiança na torcida. A classificação para o G8 já tinha naufragado por completo naquela altura do campeonato, mas a esperança de terminar o ano sem vexames - leia-se, sem cair - ainda era grande, tanto que naquela calorosa tarde de 05/10 havia mais de 22 mil pessoas esperançosas pelos 3 pontos.

Embalados por essa confiança, o Palmeiras abriu o placar cedo com Juninho, uma meia atacante esquecível, mas que fazia alguns gols improváveis no período entre 2000 e 2002 - e que depois fez muito sucesso no Japão. Ainda no primeiro tempo o Alex Alves (não aquele que falávamos “ai que bom seria...”) empatou a partida e o desespero voltou a tomar conta da arquibancada. 

Na mesma proporção que o medo da torcida crescia, o calor assolava os torcedores impiedosamente e nenhum vendedor de água passava. Algo bem estranho, já que eles possuem o hábito de esbarrarem em mim nas horas mais improváveis. 

Veio o intervalo de jogo e com ele a esperança de que algum vendedor de água passasse por ali e aliviasse a sede que crescia cada vez mais, mas inacreditavelmente não passou nenhum. Fomos para o segundo tempo com medo de desidratar.

Sobre o time, o intervalo serviu ao menos para reanimar a torcida, que mais uma vez estava apreensiva depois de um empate sofrido, sabíamos que muitos jogadores não estavam nem ai com nada e outros se perdiam no desespero. A esperança de reação para o segundo tempo residia no retorno do Pedrinho, um resquício de talento que estava a um ano parado depois de uma lesão grave, mas que por alguma razão, o Levir Culpi preteriu ele para o restante do torneio, mesmo recuperado.

O calor não passava e no segundo tempo minha sede só ia crescendo. Simultaneamente, a pressão que o Palmeiras exercia em campo também crescia, especialmente depois que o Levir colocou Pedrinho e Nenê (que fez sucesso na França, mas jamais deve pisar no Palestra novamente). De tanto martelar, o Palmeiras achou um gol em um escanteio magistralmente cobrado por Arce (sempre ele) e uma cabeçada precisa do Alexandre Rebaixador. 2 x 1.

Gritei a todos pulmões, do alto do fôlego que um garoto de 14 anos possuía e esqueci por momentos que minha boca estava seca e que estava começando a ficar tonto de tanto calor que sentíamos. 

Felizmente, o gol trouxe tranquilidade para o estádio e para o time. E mesmo assim, nada de aparecer um vendedor de água, mas como a alegria naqueles minutos estava alta, conseguimos eclipsar a sede.

Assim que acabou o jogo, a ideia era sair o mais rápido possível do estádio para beber qualquer coisa que fosse. Acredito que não era o único morrendo de sede, no fosso, saindo pela Turiassu, nos deparamos com diversas pessoas formando uma fila para beber água de uma torneira que estava solta, bem perto das numeradas. Ainda no fosso, outro fato curioso aconteceu: Alexandre Rebaixador apareceu e foi cumprimentar a torcida. Naquele dia ele salvou à tarde, estava com certa moral e até mereceu os aplausos.

Chegando à Turiassu, bebemos água como se não houvesse amanhã e rumamos para a casa esperançosos de que o time engrenasse de vez. Como todos sabemos isso não aconteceu, assim como nunca mais passamos perrengue no que tange “água no estádio”.

Quanto ao jogo em si, foi uma bela partida em meio a um campeonato desesperador. Um jogo que renovou a já abatida torcida em uma temporada capenga onde tudo dava errado. Mas não foi "o ponto de virada", afinal, na rodada seguinte perdemos para o Goiás e continuamos em situação bem difícil. 

Arce, assim como São Marcos e Zinho, são vencedores e mereciam muito mais do que aquela temporada maldita.
Foto: Ari Ferreira

Bons jogos em campanhas ruins

Inaugurando a série "bons jogos dentro de campanhas ruins", começarei com um clássico: Palmeiras 3 x 1 Santos, no Paulista de 2005.

O ano de 2005 (assim como quase toda a década passada) não foi bom para o Palmeiras. No segundo semestre até tivemos um período efêmero no qual sonhamos com o título do Brasileirão, mas no fim tivemos que nos contentar com o "prêmio de consolação" que foi a vaga para a Libertadores - conquistada de maneira muito digna, diga-se de passagem. 

O primeiro semestre desse ano foi horrível. Passamos sufoco na Libertadores em um grupo fraquíssimo e sequer passamos perto de lutar pelo título Paulista. Três técnicos passaram pelo comando do Palmeiras, todos muito ruins: Estevam Soares, Candinho e Bonamigo. Para piorar, a fórmula do Paulistão dessa temporada era de pontos corridos, o que desestimulou a torcida de um jeito que poucas vezes tínhamos visto anteriormente. Já antes da metade do torneio, não raros, já era possível ver públicos que não passavam de 4 mil pessoas no Palestra - ainda nesse torneio tivemos o jogo Palmeiras 1 x 0 Barbarense com 1600 pagantes, o pior público que já vi no Palestra. É seguro dizer que esse foi o pior campeonato de todos no quesito "engajamento da torcida" e que pontos corridos é uma praga que deveria ser abolida de vez (esse texto excelente do Forza Palestra pega na veia).

Apesar de começarmos esse campeonato com 3 vitórias seguidas, sequer passamos perto de brigar pelo título e morremos na metade da tabela. Nem dava para culpar a torcida pela falta de ânimo.

Na metade do campeonato e na expectativa por mais uma volta de Pedrinho, iriamos encarar o Santos do badalado Robinho, colocado pela imprensa como amplo favorito para o confronto, algo que nem nós, cientes do elenco ruim que tínhamos, conseguimos discordar na época. Mesmo assim rumamos para o Palestra naquela tarde ensolarada de domingo, típica de um início de março, acreditando que poderíamos fazer algo diferente do que fazíamos até então. Era dia de jogar como Palmeiras.

E jogamos como Palmeiras. Não aquele que nos envergonhava naquela temporada, mas como o alviverde imponente que todos temiam.

Três nomes foram fundamentais para a vitória por 3 x 1: São Marcos, o que não é nenhuma surpresa; Pedrinho, que entrou no segundo tempo e foi o nome do jogo; e Lúcio (o quarto melhor lateral do mundo), esse sim, surpreendendo, afinal, foi o nome mais xingado nas arquibancadas durante a temporada anterior - um ódio um tanto quanto estranho, afinal, tinham jogadores piores do que ele naqueles elencos irritantes.

O primeiro tempo foi de São Marcos, que brilhou sozinho e aliviou a barra da defesa ruim composta por Glauber, Daniel e Nen, zagueiros que deixaram muitos espaços para Robinho e Deivid (que na época não era motivo de piada). Por conta do bombardeio litorâneo, ficamos até um tanto surpresos por irmos para o intervalo vencendo por 1 x 0, gol de Daniel ao final do primeiro tempo.

No intervalo meu pai comentou comigo que estávamos no lucro com aquela vitória parcial e que se a defesa continuasse desse jeito teríamos problemas. Não deu outra. Glauber, fez um pênalti idiota e Ricardinheirinho fez o gol de empate dos sardinhas. Nosso ânimo voltou ao modo standart daquela temporada. E São Marcos continuou nos salvando.

Eis que Candinho, em um raro arroubo de inteligência enquanto estava em nossa casamata, colocou Pedrinho em campo. O reizinho mal tinha entrado em campo e já em uma de suas primeiras jogadas recolocou o Palmeiras na frente. Com o placar ainda na contagem mínima tudo poderia acontecer, mas Lúcio fez um lançamento primoroso para o mesmo Pedrinho, que entrou na área e fuzilou o goleiro santista. 3 x 1 e fim de conversa.

Na hora, fizemos a mesma pergunta de sempre: "como seria se o Pedrinho não se machucasse tanto?". Tratava-se de um meia genial, capaz de decidir partidas com toques de classes e tinha tudo para se consolidar como um dos maiores camisas 10 da história do Palmeiras, mas padeceu com diversos problemas físicos que limitaram muito a presença dele em campo. E demonstrava ciência de seus problemas, afinal, chegou a pedir para não receber salários enquanto estava machucado. Talvez se vencêssemos o Paulista de 2004 ele teria um papel mais marcante em nossa história. 

Sobre o jogo em si, nos deu um curto ânimo para o jogo seguinte (vencemos o Táchira por 3 x 0 na Libertadores), mas não demorou muito e uma derrota para a Portuguesa nos devolveu a triste realidade daquela temporada maldita.