O gol de falta de Pedrinho

O jogo estava já em seu final, assim como a esperança de cada palestrino, que parecia estar em sua última gota. Tudo indicava que novamente seriamos eliminados de maneira vergonhosa para um time pequeno, já que perdíamos por 3 x 2 para o Paulista em Araras (o estádio em Jundiaí estava suspenso) e o jogo da ida tinha sido um decepcionante empate por 1 x 1 no Palestra Itália, que havia acontecido na semana anterior. O destino quis que houvesse uma falta na entrada na área na última jogada da partida. Pedrinho, um dos raros talentos que tínhamos, ajeitou a bola e cobrou a falta com precisão cirúrgica, fazendo o gol e dando um novo sopro de esperança para uma torcida então combalida pelos anos anteriores de insucessos.

Meu coração saiu pela boca e comecei a chorar de alegria. Por diversos minutos que separaram aquele gol antológico e a decisão dos pênaltis, acreditei que a nuvem negra instalada no Palestra Itália iria se dissipar como um vento que abre o tempo após uma chuva forte.

Entre os minutos de sobrevida que tivemos, lembrei-me que mesmo com a base limitada que venceu a série B do ano anterior e que conseguiu piorar no ano seguinte, sem inspirar confiança alguma, o time realizou uma campanha interessante na primeira fase, atropelando alguns adversários de pouca expressão e sofrendo para conquistar placares apertados contra muitos outros desses times. Confiávamos na mística, na força da camisa, para que pudéssemos ter o prazer de ser campeão paulista depois de 8 anos esperando.

Recordei-me também que nesse campeonato a torcida começava a sofrer atentados no bolso. Por uma medida estapafúrdia da Federação Paulista, o preço do ingresso dobrou de um ano para o outro. Se até novembro de 2003 pagávamos módicos R$10,00 em um ingresso inteiro, em janeiro esse preço mudou para R$20,00, reduzindo muito de nossa torcida no estádio ao longo da campanha. Isso sem mencionar o tal “setor família” (localizado nas numeradas descobertas), que na prática se mostrou ineficiente. 

Veio-me a mente os poucos jogos que tivemos no Palestra Itália na fase de classificação, como a goleada na estreia por 5 x2, em cima do mesmo Paulista de Jundiaí, a goleada por 4 x 1 contra o Guarani, o gol marcado pelo Vagner Love no final do jogo contra o Oeste, garantindo a virada e a vitória por 2 x 1 e a chuva torrencial nos 4 x 2 contra o Santo André, mostrando que em casa a supremacia era alviverde, mesmo que o número de presentes tenha reduzido bastante em relação ao ano anterior.

Pensei nas quartas de final contra a Portuguesa Santista e os gols de Pedrinho e Vagner Love, que terminou o campeonato como artilheiro. Também me recordei da falta que Vagner Love fez no primeiro jogo da semifinal no Palestra Itália – o substituto era o Rafael Marques, o Linguiça. Um jogo errado, torto e mal armado, onde os 21 mil palestrinos viram o Diego BDU Souza dar um contra-ataque para o gol do apoiador Canindé. Reagimos e empatamos com Pedrinho, mas perdemos muitos gols, seja pela inoperância de nosso ataque, ou seja pela tarde que um tal goleiro medíocre chamado Marcio nunca mais teve na vida, defendendo a sua meta como uma muralha.

Fiquei nervoso pensando nos dias que antecederam esse prélio da segunda semifinal, em como a imprensa insuflou os ânimos dos torcedores com polêmicas com o então técnico Jair Picerni, mostrando mais uma vez o quão perniciosos poderiam ser. 

E recordei dos 89 minutos que antecederam a cobrança de falta magistral de Pedrinho, de como a defesa do Palmeiras, formada por Nen e Leonardo Perninha, foi presa fácil para o ataque do Paulista e de como tomamos 2 x 0 com rapidez. Vagner Love diminuiu ainda no primeiro tempo com um golaço de voleio, mas era insuficiente. A pressão que exercíamos não dava resultado e com isso tomamos o terceiro gol aos 34 minutos e tudo parecia acabado de vez: estávamos sendo eliminados pelo mesmo time que aplicamos 5 gols na estreia. O gol de Elson, em pênalti convertido aos 39 minutos, deu uma ligeira esperança, mas tudo parecia ter chegado à última gota com a falta na entrada da área no último minuto.

E por fim pensei no futuro, no quão queríamos esse título Paulista depois de anos de pilherias vindo da imprensa e de rivais menosprezando a força de nossa camisa. Estávamos com a faca e o queijo na mão para irmos a final. O adversário era nosso freguês, o São Caetano. E por mais que na época eles tivessem um time bem montado, ainda tínhamos coisas que eles não tinham e jamais terão: a força da camisa, história, tradição e uma torcida gigantesca. A imprensa obviamente colocaria o ignóbil time do ABC como favorito, ainda mais após eliminar o favorito Santos de maneira contundente nas semifinais, mas sabíamos que na prática a história seria bem diferente.

Todos esses pensamentos citados nos parágrafos anteriores vieram em minha mente em meio à catarse daqueles minutos espetaculares que antecederam a decisão via pênaltis. Aquele gol do Pedrinho me fez acreditar que a sorte tinha voltado para o lado da Turiassu, 1840. Era nosso, não tinha como ser diferente. Era o Palmeiras contra o minúsculo Paulista.

E na decisão dos pênaltis toda essa esperança foi por água abaixo. E da maneira mais cruel possível, pois tínhamos a dianteira faltando dois pênaltis a serem convertidos. Elson errou a quarta cobrança (depois de acertar em tempo normal), mas São Marcos, gigante como sempre, pegou a última cobrança do Paulista, bastava Lúcio, um lateral medíocre que na época estava com o ego batendo na Lua, converter a cobrança. Lúcio errou, fomos para as cobranças alternadas e Nen jogou fora toda a esperança que obtivemos entre o gol magistral de Pedrinho e o início das cobranças de pênalti.

Após esse jogo, Lúcio não teve mais paz. Já no jogo seguinte pela Copa do Brasil, contra o São Gabriel, o lateral sentiu a fúria da torcida e foi perseguido o jogo inteiro com justíssimas vaias. Nunca mais ele conseguiu a confiança plena da torcida, que perdurava até esse jogo fatídico.

Eu senti muito também pelo Pedrinho, um jogador talentosíssimo, mas azarado demais. A trajetória do reizinho no Palestra foi marcada por inúmeras contusões que o impediram de ter uma verdadeira sequência, boicote estúpido do Levir Culpi ao meia na campanha do rebaixamento (e o doping por antidepressivos na mesma campanha) e elencos medíocres que também não ajudavam em nada. Nesse campeonato, Pedrinho teve uma sequência que não víamos desde o Brasileiro de 2001 e esse gol mágico no último minuto poderia ser a consolidação do reizinho como um ídolo definitivo do Palmeiras, mas infelizmente, não foi assim. 

Após esse episódio, Pedrinho ainda se machucou e esteve fora da vergonhosa eliminação do Palmeiras na Copa do Brasil, mas foi um dos pilares para que o time alcançasse a Libertadores da América no ano seguinte, chegando inclusive a ser convocado pela CBF nesse período. Em 2005 voltou a ter novas lesões e quando recuperado passou a amargar o banco de Juninho Paulista até que Leão o descartou de vez e da pior maneira possível. 

Esse gol do Pedrinho nos proporcionou uma montanha russa de sentimentos e vimos que nossos sentimentos conseguem atingir extremos, indo da mais profunda desesperança para a alegria completa em frações de segundo. E, infelizmente, indo da mesma alegria para a tristeza e raiva em questão de minutos. 

E que em 2014, nosso sentimento seja apenas alegria, a começar pelo Campeonato Paulista.

"Ei, ei, ei, o Pedrinho é o nosso rei".
Foto: Ayrton Vignola/Folhapress

3 comentários

Acho que foi um dos gols que eu mais gritei na vida. Comparáveis a esse, apenas:
- Cleiton Xavier contra o Colo Colo;
- Valdivia contra o bambi na semi de 2008;
- Leandro Bochecha de falta contra o bambi no Palestra;
- Barcos contra o Grêmio no Olímpico;
- Galeano contra o gambá na Libertadores de 2000.

Reply

O do Cleiton Xavier contra o Colo Colo foi sensacional. Teve tanto gol como esses que gritamos, que sempre esquecemos algum.

Acho que nenhum se compara o do Euller contra o Flamengo em 99 ou do Oseas contra o Deportivo Cali, na final. Aqueles também foram em momentos magistrais.

Reply

O do Euller eu perdi. Tava numa churrascaria e me arrependo até hoje de ter ido.

Reply

Postar um comentário