Bons jogos em campanhas ruins II

Ou, o dia que não achamos água no Palestra.

Uma das cenas mais comuns em arquibancada é você estar de pé, compenetrado na partida, e um vendedor de água esbarrar em você de maneira despretensiosa. Você rapidamente pensa “cazzo”, mas a pessoa passa, você pensa "beleza, está apenas fazendo seu trabalho" e continua prestando atenção no que ocorre em campo. 

Porém, a natureza nos presenteia com seletos dias de jogos em que o aquecimento global resolve castigar pra valer os torcedores. Nessas situações costumamos nos desesperar por um mísero copo de água e ignoramos até mesmo os preços inflacionados que a organização do jogo nos impõe – especialmente nos últimos anos. Por via de regra (da natureza), os meses de outubro são líderes no quesito secura de temperatura. E se soubéssemos o perrengue que passaríamos naquelas 16h de sábado, do dia 05/10/2002, certamente teríamos bebido o equivalente a um poço artesiano antes do jogo. 

Ainda sobre perrengues e securas, o jogo em questão era contra a Portuguesa no Brasileiro de 2002, já na metade final da fase de classificação. Apesar de virmos de uma vitória suada contra o Paysandu e dois empates razoáveis em clássicos – sendo que contra o Santos fomos roubados -, o clima era de total desespero. Éramos lanternas do campeonato e antes desses jogos passamos por uma vergonhosa sequência sem vitórias e com vexames homéricos mesmo dentro do Palestra. O rebaixamento era uma realidade dura que batia na porta com a força de um mastodonte e não queríamos acreditar de maneira alguma que isso fosse verdade.

E era uma situação nova. Apesar do Palmeiras ter claudicado em 2001, ainda vimos o time brigar pelo título da Libertadores. Em 2002, 3 anos depois do Palmeiras ter vencido a Libertadores, estávamos em um inferno que não imaginávamos. O baque foi muito maior do que em 2012.

Mas nesse dia estávamos confiantes de que ainda esboçaríamos uma reação e esse jogo acendeu uma centelha de confiança na torcida. A classificação para o G8 já tinha naufragado por completo naquela altura do campeonato, mas a esperança de terminar o ano sem vexames - leia-se, sem cair - ainda era grande, tanto que naquela calorosa tarde de 05/10 havia mais de 22 mil pessoas esperançosas pelos 3 pontos.

Embalados por essa confiança, o Palmeiras abriu o placar cedo com Juninho, uma meia atacante esquecível, mas que fazia alguns gols improváveis no período entre 2000 e 2002 - e que depois fez muito sucesso no Japão. Ainda no primeiro tempo o Alex Alves (não aquele que falávamos “ai que bom seria...”) empatou a partida e o desespero voltou a tomar conta da arquibancada. 

Na mesma proporção que o medo da torcida crescia, o calor assolava os torcedores impiedosamente e nenhum vendedor de água passava. Algo bem estranho, já que eles possuem o hábito de esbarrarem em mim nas horas mais improváveis. 

Veio o intervalo de jogo e com ele a esperança de que algum vendedor de água passasse por ali e aliviasse a sede que crescia cada vez mais, mas inacreditavelmente não passou nenhum. Fomos para o segundo tempo com medo de desidratar.

Sobre o time, o intervalo serviu ao menos para reanimar a torcida, que mais uma vez estava apreensiva depois de um empate sofrido, sabíamos que muitos jogadores não estavam nem ai com nada e outros se perdiam no desespero. A esperança de reação para o segundo tempo residia no retorno do Pedrinho, um resquício de talento que estava a um ano parado depois de uma lesão grave, mas que por alguma razão, o Levir Culpi preteriu ele para o restante do torneio, mesmo recuperado.

O calor não passava e no segundo tempo minha sede só ia crescendo. Simultaneamente, a pressão que o Palmeiras exercia em campo também crescia, especialmente depois que o Levir colocou Pedrinho e Nenê (que fez sucesso na França, mas jamais deve pisar no Palestra novamente). De tanto martelar, o Palmeiras achou um gol em um escanteio magistralmente cobrado por Arce (sempre ele) e uma cabeçada precisa do Alexandre Rebaixador. 2 x 1.

Gritei a todos pulmões, do alto do fôlego que um garoto de 14 anos possuía e esqueci por momentos que minha boca estava seca e que estava começando a ficar tonto de tanto calor que sentíamos. 

Felizmente, o gol trouxe tranquilidade para o estádio e para o time. E mesmo assim, nada de aparecer um vendedor de água, mas como a alegria naqueles minutos estava alta, conseguimos eclipsar a sede.

Assim que acabou o jogo, a ideia era sair o mais rápido possível do estádio para beber qualquer coisa que fosse. Acredito que não era o único morrendo de sede, no fosso, saindo pela Turiassu, nos deparamos com diversas pessoas formando uma fila para beber água de uma torneira que estava solta, bem perto das numeradas. Ainda no fosso, outro fato curioso aconteceu: Alexandre Rebaixador apareceu e foi cumprimentar a torcida. Naquele dia ele salvou à tarde, estava com certa moral e até mereceu os aplausos.

Chegando à Turiassu, bebemos água como se não houvesse amanhã e rumamos para a casa esperançosos de que o time engrenasse de vez. Como todos sabemos isso não aconteceu, assim como nunca mais passamos perrengue no que tange “água no estádio”.

Quanto ao jogo em si, foi uma bela partida em meio a um campeonato desesperador. Um jogo que renovou a já abatida torcida em uma temporada capenga onde tudo dava errado. Mas não foi "o ponto de virada", afinal, na rodada seguinte perdemos para o Goiás e continuamos em situação bem difícil. 

Arce, assim como São Marcos e Zinho, são vencedores e mereciam muito mais do que aquela temporada maldita.
Foto: Ari Ferreira

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